Pirâmide de Aprendizagem de Glasser Aplicada ao Treino de Artes Marciais

Piramide da Aprendizagem por William Glasser

Neste artigo, faço uma reflexão sobre os vários aspectos presentes na Pirâmide de William Glasser e como podem ser aplicados no ensino e prática de artes marciais, incluindo o Jogo do Pau Português. Uma abordagem subjectiva, ou intuitiva, dos vários níveis e aspectos referenciados, sem foco no rigor da quantificação percentual de cada camada da pirâmide.

A Pirâmide de Aprendizagem de William Glasser

As Pirâmides de Aprendizagem (esta e outras) são tentativas de apresentar de maneira esquematizada a capacidade de retenção de um conteúdo no cérebro humano, em geral pressupondo que quando algo é estudado de forma activa, seja promovendo um debate, fazendo algo na prática ou ensinando o conteúdo estudado, esse conteúdo é retido de maneira mais eficiente.

Para não ferir susceptibilidades científicas, refiro desde já que a veracidade deste modelo foi já amplamente discutida e em certa medida descredibilizada por vários autores, dos quais se destacam Daniel Willingham e Kåre Letrud, sendo que os fundamentos e dados científicos usados para chegar a estes números aparentemente foram “perdidos”.

De qualquer modo, penso que a ordem apresentada nesta pirâmide é mais ou menos intuitiva, não me custa aceitar que deverá estar perto da realidade, apesar das inúmeras variantes que no meu entender impossibilitam uma quantificação das diferenças entre camadas. Mais não seja porque me recordo de informação que aprendi através do relato de oradores de excelência e de livros que marcaram o meu crescimento e aprendizagem, e também sei que já experimentei artes marciais que já não consigo repetir nem que a minha vida dependa disso.

Existem obviamente outros factores, como o interesse, a emoção, a identificação com o tema, que não estão incluídos nesta pirâmide e que são factores essenciais e diferenciadores na retenção de memória, informação ou aprendizagem, e que de certeza baralhavam as contas aos níveis da pirâmide.

É a primeira vez que escrevo um artigo em que os primeiros parágrafos são uma explicação da não validade do pretexto do mesmo artigo, mas vamos para a frente,…

Ricardo Moura

Como Enquadrar os 7 Meios de Aprendizagem no Ensino de Artes Marciais

Apresentação Oral, Leitura, Apresentação Oral e Visual, Demonstração, Discussão, Prática e Ensino a terceiros. Vou tentar explicar estes 7 meios de ensino teoricamente distintos e a sua possível aplicação ao ensino do Jogo do Pau Português e às artes marciais em geral. Claro que vou começar bastante sistemático, mas no fim vou baralhar as coisas. Espero que vos provoque alguma reflexão ou angústia e que traduzam isso em comentários para podermos desenvolver o tema em conjunto.

Apresentação Oral

É por princípio pouco usada em artes marciais. Os métodos tradicionais de ensino orientais, e mesmo ocidentais, davam pouco foco a este aspecto, concentrando o ensino em aspectos mais práticos. No entanto, no que toca ao ensino de adultos, principalmente aos que iniciam a prática de uma arte marcial, tenho a tendência a dedicar algum tempo à explicação dos fundamentos e bases históricas do JPP (Jogo do Pau Português), bem como dos seus fundamentos de biomecânica, estratégia e táctica de combate.

É importante para mim que os atletas, além de saberem executar os exercícios técnicos e físicos, tenham uma compreensão do objectivo a médio e longo prazo, do que se espera da execução de determinado exercício, e de como e porquê se chegou a determinada técnica.

Claro que nas camadas mais jovens não será uma das estratégias de ensino mais eficaz (por experiência, quanto mais nova a classe menos paciência apresenta para explicações teóricas). Por outro lado, em adultos, quando a capacidade de mimetizar movimentos e técnicas é menos imediata, a compreensão da razão é essencial para que se atinjam objectivos.

É possível que por vezes abuse um pouco deste meio de ensino – os meus alunos o dirão – e enfrento uma luta interna constante para controlar melhor a quantidade e qualidade da informação que transmito por este meio. Aconselho cuidado com o desenvolver de discursos ou relatos dentro do treino.

Leitura

Na minha aprendizagem de Artes Marciais Orientais, não tive contacto com grandes textos ou autores publicados. Admito que a disponibilidade e atenção eram pequenas neste campo, e o ensino tradicional também não fazia grande uso deste meio. Com a maturidade, surgiu algum interesse adicional pela pesquisa histórica, muito favorecido pelo início da prática de JPP EL e pela procura das suas origens históricas e técnicas. Talvez a sua proximidade cultural me tenha despertado mais interesse.

Sei que nas Artes Marciais Históricas Europeias o uso de manuais é prática corrente por parte dos seus adeptos. A falha na continuidade histórica destas artes marciais levou a que o seu reaparecimento se apoie principalmente no estudo e interpretação de manuais.

Apesar de não ser adepto da aprendizagem de Artes Marciais através de manuais, não posso deixar de elogiar a dedicação de quem vai além do treino técnico e físico e se tenta aperfeiçoar através da aprendizagem pela palavra escrita dos seus antecessores, especialmente no que toca à aprendizagem da história e do desenvolvimento da modalidade que praticam.

Descobrir quem foram os Mestres que nos antecederam, como desenvolveram a sua prática e a sua técnica, onde se praticava, é no meu entender um percurso pessoal de crescimento e solidificação de conhecimentos que enriquece o atleta e a modalidade.

Apresentação Oral e Visual

Na era da multimédia, dos Canais de YouTube, da televisão e da Internet, em que cada Mestre ou entusiasta cria o seu canal e espalha aos sete ventos o conhecimento que tem (ou não tem), este método está a ser cada vez mais utilizado na aprendizagem de artes marciais. Está disponível, é visualmente agradável e explora uma série de sentidos em simultâneo.

Temo que seja mal utilizado, daí ter escrito “aprendizagem” e não “ensino”. Este meio, quando não orientado ou fundamentado, pode incluir mais lixo do que bases sólidas de aprendizagem.

Contudo, mesmo em ambiente de treino presencial, este é também um dos meios por excelência das Artes Marciais, ou pelo menos um dos meios tradicionalmente mais valorizados. Claro que quando ensinamos uma técnica, um procedimento, ou um exercício, a maneira mais directa de o introduzir numa aula é mostrando o que se pretende, normalmente executando-o com o aluno mais graduado ou um assistente.

Não há muito a acrescentar sobre este aspecto. Quem já fez uma aula de uma qualquer arte marcial teve de certeza de assistir a uma pequena demonstração do que se pretende para depois poder repetir. O tempo e número de repetições que podemos desenvolver neste tipo de aprendizagem dependem muito dos alunos. Um público mais novo vai apreender o que se pretende muito mais depressa do que um público sénior e, como tal, vai querer passar rapidamente à prática.

Existem também inúmeros meios tecnológicos à nossa disposição que podemos e devemos usar para melhorar a nossa técnica ou treino. Um gráfico, um esquema, uma animação, uma demonstração técnica, podem ajudar a explicar o treino, a técnica, um objectivo, um erro.

Principalmente quando se treina com varas e bastões e se quer explicar o percurso que se espera da ponta da vara durante uma pancada, bem como do corpo ou das mãos durante uma deslocação. A capacidade de fazer um desenho, de marcar uma linha ou um esquema, é uma ferramenta que nunca deve ser descartada.

Um espelho e um marcador podem ser uma ferramenta fantástica durante um treino para mostrar o que não se consegue por outros meios.

Demonstração e Prática

Posso estar um pouco equivocado sobre a caracterização destes pontos, mas o modo como entendo “demonstrar” vai um pouco além do básico “mostrar”. Vindo das ciências exactas, sempre encarei a demonstração no aspecto mais científico da palavra, ou mesmo no seu sentido matemático:

“Uma sucessão finita de argumentos restritos às regras da lógica mostrando que determinada afirmação é necessariamente verdadeira quando se assumem certos axiomas”.

Wikipédia

Também não consigo separar esta “Demonstração” da “Prática”, mas já explico mais à frente porquê.

Apesar de muitas “artes marciais” se encontrarem estilizadas e fugirem da aplicação prática das suas técnicas em cenários de combate ou confronto não combinado, no caso do JPP o nosso trabalho foca-se sempre na aprendizagem técnica com vista à sua aplicação prática. Como tal, além da aprendizagem através dos métodos acima descritos, grande parte do nosso treino é efectuado através da demonstração e experimentação da nossa técnica e do nosso estado de desenvolvimento.

Não existe melhor caminho ou aprendizagem da técnica de JPP do que o fundamentado na compreensão da técnica através da sua aplicação, e do teste sistemático desta aplicação. O professor tem de estar disposto e ter capacidade de demonstrar a eficácia de uma defesa ou ataque quando confrontado com uma situação em que não tem o total controlo de todos os factores.

É comum, em resposta a dúvidas de alunos, responder que tenho alguma dúvida sobre a resposta, mas vamos testar/experimentar para ver se é possível, exequível, correcta ou não. Esta “demonstração” deve ser prática corrente no treino do JPP.

Claro que antes de demonstrar ou experimentar o que treinamos com um aluno, é necessário desenvolver um trabalho sério de ensino com outros métodos e, através da “Prática” continuada, promover a repetição de exercícios que levem o aluno a testar a sua aprendizagem em cenários de crescente imprevisibilidade, e a aprender com esses testes os limites das suas técnicas e os caminhos em que precisa de desenvolver o seu treino.

Assim, para mim, e no ensino de JPP, a separação destes dois métodos de ensino, “Demonstração” e “Prática”, é apenas teórica, aparecendo intimamente ligados e normalmente em simultâneo.

Discussão em grupo

Como a língua portuguesa é muito complicada (e a inglesa também não é simples), vou distinguir 2 discussões distintas:

  1. Discussão de opiniões e pontos de vista diferentes;
  2. Discussão de trabalho sobre aspectos específicos.

Sendo um pouco radical neste aspecto, posso dizer que na minha opinião não há lugar à 1.ª opção no treino ou no ensino de uma arte marcial.

Pronto, não tem lugar no ensino de uma técnica. Claro que se podem sempre discutir aspectos gerais da arte marcial, interpretações e estratégias, métodos de competição, pontuações, influências… mas neste artigo refiro-me ao ensino de artes marciais.

Discussão sobre aspectos específicos da técnica é sempre de salutar. A compreensão de um assunto ou tema é claramente melhor assimilada se chegarmos lá por nós próprios, ou através de uma racionalização ou debate sobre o mesmo. No entanto, e no esforço de manter a nossa arte marcial eficaz em combate, sou adepto da experimentação em detrimento ou no seguimento deste método de aprendizagem, no que toca ao Jogo do Pau.

Não sou fundamentalista, ou sequer grande interessado em testar tudo em combate, mas mesmo para isso é preciso saber antes o que se quer testar, e em que parâmetros. Para tal, o contributo de todos (professores e alunos) é de salutar e incentivar.

Para mim, um aluno hoje é um professor no futuro. Interessa-me cultivar o seu espírito crítico, a sua criatividade e inteligência e, como tal, tento que algumas decisões sobre como testar/treinar determinados aspectos da técnica sejam tomadas em conjunto. Sei que esta não é uma abordagem para todos, especialmente para os mais tradicionalistas que cultivam uma hierarquia rígida encabeçada por um Mestre, mas é a minha abordagem.

Ensinar Outros

Sim, o título explica-se a si próprio. Se somos sérios e respeitamos os nossos alunos, a procura de como explicar a técnica, de como treinar, de como ensinar de forma eficaz e de como transformar um aluno num atleta de JJP ou de outra arte marcial, é um processo que nos obriga a conhecer profundamente o que estamos a ensinar de modo a podermos utilizar todas as estratégias e meios ao nosso dispor para passar esse conhecimento.

Cada aluno é um aluno, não é possível ensinar todos da mesma maneira, explicar da mesma maneira. É essencial compreender o que se está a ensinar de modo tal que seja possível transmitir esse conhecimento da forma que melhor seja apreendida por um aluno em particular e que será certamente diferente da do aluno do lado.

Este passar de conhecimento não se pode basear num balde de conhecimento finito e estável que se entorna sobre o aluno. É um processo que por si só gera mais conhecimento e um saber mais profundo da matéria que se ensina.

Este método é no meu entender o expoente máximo do desenvolvimento do artista marcial, mas não é um limite ou uma meta, é um processo.

Se chegaram até aqui e leram tudo o que está em cima, os meus parabéns pela paciência e o meu sincero agradecimento por toda a atenção. Comentem, critiquem ou partilhem a vossa experiência sobre o assunto.

Ricardo Moura